Curiosidades de uma fila
Oi Gente boa!
Recentemente passei por
um problema de saúde e precisei dos serviços públicos para que o
mesmo fosse resolvido.
Nesse processo observei
uma série de coisas interessantes e curiosas.
Primeiro, num lugar
público você acaba por ver tudo o que é tipo de gente.
Alta, magra, gorda,
arrumada, relaxada, esculachada, vestida como rainha ou como plebéia,
e assim vai...
Criança chorando,
criança rindo, criança pulando, algumas poucas obedecendo, as
demais aprontando.
Criança sempre nos
leva ao riso ou ao torpor, à graça ou à desgraça, pra não dizer
de outros sentimentos menos nobres.
Jovens mães. Bem
jovens mesmo. Vestidas como meninas brincando de bonecas. Mas eram
cenas reais. Crianças, bebês, gripadinhos, catarrentos,
melequentos....aff! Tempos difíceis.
Uma senhorinha miúda,
com um casaco cor de rosa (tipo rosa bebê), um lenço meio escuro no
pescoço, uma calça toda colorida e colada no corpo, tipo essas
roupinhas de criança, um tenis também rosa e andando toda pomposa
como se fosse a rainha da Inglaterra.
Junto dela um senhor
gordinho, com cara de tanso, que depois de meia hora já estava bravo
com a demora. Sentava e levantava da cadeira de espera sem nem mesmo
ceder o lugar pra ela que ficou de pé o tempo todo. Quase dormiu em
pé. Quase caiu!
Esperamos por mais de
cinco horas e você pode imaginar o estado dessa criatura... até que
ele parou em frente à porta do consultório. Assim que esta se abriu
passou a vociferar certos impropérios para doutora.
Esta, provavelmente já
acostumada com situações semelhantes, respondeu-lhe calma e
tranquilamente: Senhor, tenha paciência, tem muita gente hoje aqui,
logo chega sua vez. E chegou mesmo. Ele era a próxima ficha...
Pessoas vestidas como
se fossem pra uma festa. Outras como se fossem pra farra. Outras nem
lá nem cá.
Chinelos, sapatos,
sandálias, com e sem meia, shorts, bermudas, calças, saias curtas,
longas.
Brincos, anéis,
pulseiras, pinduricalhos de montão.
E os celulares. De
monte. Mais celular que gente. Joguinhos, conversas, toques.
Uma delas entrou num
desses jogos que tem uma musiquinha que repete, repete, repete,...num
volume incomodante, a ponto da enfermeira sair do seu posto e mandar
tirar o volume (sem muita educação, demonstrando que a paciência à
muito tinha saído pela porta, se é que tinha vindo de algum
lugar...).
Os doutores então...
tem de tudo. Alguns acham que sua voz suave será ouvida acima
daquele burburinho que mais de cem pessoas fazem num espaço que
deveria conter somente metade delas.
Outros chamam os nomes
com tanta força que até silenciam a multidão. Mas também temos os
estrangeiros que com seus sotaques não conseguem pronunciar de forma
correta os nomes de nosso povo, que fica entreolhando-se em busca de
confirmações de um pra com outro sobre qual teria sido o nome
chamado...até que alguém grita um nome...(o nome de quem fora chamado)...
Alguns médicos talvez
já de saco cheio com a situação, a falta de condição, o descaso
com o povo e por que não pra com eles também, apesar do salário,
tratavam claramente o que a pessoa achava ou dissera ter pois menos
de dois minutos era o que gastavam com cada um da enorme fila.
Se você diz que tá
com tosse, tome xarope. Febre, dá-lhe dipirona no traseiro. Dor nos
rins, tome tramal na veia. Vomito ou diarréia, tome 1 litro de soro,
com Plasil, e assim vai. Passa hora, passa dia, passa semana, tudo
igual.
A maioria era
encaminhada pra tomar um injeção, talvez, punição pra parar de
encher o saco com banalidades.
Banal ou não o povo
sente. Sente a dor de uma possível doença e sente a dor do
desprezo, do sistema desumano e dos profissionais que o atendem.
Muitos são de fato profissionais. Outros deveriam ser banidos,
especialmente quando se colocam na posição de superiores e de
detentores de palavras de ordem, na maioria das vezes em tons
ríspidos, secos, em frases curtas que não explicam nada e deixam o
povo aturdido, mais ainda do que já chegam, perdidos.
Mas também tem os
médicos que gastam uns vinte a trinta minutos por paciente, deixando
os demais impacientes até serem atendidos.
Fiquei mais de cinco
horas nesse lugar. Fui atendido por um médico de vinte minutos. Tive
que voltar lá pra tomar um antibiótico na veia por mais dez dias.
Vi também que o
analfabetismo funcional é gigantesco.
Noventa e nove por
cento do povo não sabe entender o texto das placas indicativas.
“Colocar somente a
guia e manter a receita até ser chamado”.
Mas quem sabe o que é
guia e o que é receita?
Colocam tudo no
escaninho.
O funcionário, tipo
cão de guarda, pegava a papelada e chamava o paciente. Este achando
que já seria atendido corria pra porta.
-”É pra deixar só a
guia. Segura a receita pra quando for chamado”. Em tom duro, bravo
como se ele fosse o general de um exército de ignorantes e burros
chucros.
Mas também existem
alguns segredinhos.
Cheguei sempre
cumprimentando. Sorrindo, mesmo em meu estado doentio. Brincando um
pouquinho, sem exagerar. Tratando aquele algoz como gente.
E recebi de volta um
sorriso, um tratamento mais relaxado, menos ríspido.
Reconhecia com eles e
pra eles que o trabalho é difícil, pesado, cansativo. Me aliava às
suas causas e essa solidariedade gratuíta quebrou barreiras.
No final dos dez dias
era quase um amigo.
No meio desses
atendentes, de vez em quando aparecia um bando de estagiários
acompanhado de um professor do curso de enfermagem.
Por duas vezes foram
eles que pegaram o meu caso. Eles precisam aprender. Temos que ter
paciência. Ser cobaia exige um esforço extra. Eles tremem mais que
a gente. Apesar de que eu não tenho medo nem problemas com agulhas e
cias. Mas compensa. Ainda bem que o professor acompanha e corrige.
Fechou com chave de ouro pois minhas veias já estavam enfraquecidas
pelos remédios e pela doença em si.
Mesmo assim acabei mais
furado que um queijo suíço. Algumas veias não resistiram e
estouraram...
Apesar dos esforços de
um bom relacionamento, tem uns mal humorados. Eternos carrancudos.
Acho que se não gostam
do que fazem ou das condições precárias a que são submetidos,
deveriam procurar outros caminhos em vez de distribuir maldades ao
invés de bondades.
O povo não é santo.
Tem um monte de bêbado, drogado. Bandidos acompanhados por
policiais. Gente que só busca por um atestado, etc...
Mas a grande maioria é
gente que precisa de socorro, de remédio, de palavras simples,
diretas e objetivas que resolvam pelo menos em parte suas condições
e situações.
E por último, o que vi
foi um tremendo desperdício de dinheiro público. Do nosso dinheiro.
Com processos burros, papelada desnecessária, sem tecnologia. Parece
tudo proposital só pra justificar gastos que poderiam ser muito, mas
muito melhor consumidos.
Com esse processos
“burros”, você vê um monte de gente que corre dum lado pro
outro. Carrega uma pilha de papel pra cá, outra pra lá, e pra que?
Um sistema simples de
informática, integrado, com a história dos pacientes facilitaria e
melhoraria em muito essa semvergonhice toda. Além de ajudar na
identificação das fraudes que depois de cinco horas ficam
explícitas pra todo bom entendedor da vida.
Sem desejar nada disso
pra ninguém!
Até!