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quinta-feira, 21 de junho de 2018

Curiosidades de uma fila - Um dia numa UPA


Curiosidades de uma fila








Oi Gente boa!

Recentemente passei por um problema de saúde e precisei dos serviços públicos para que o mesmo fosse resolvido.

Nesse processo observei uma série de coisas interessantes e curiosas.

Primeiro, num lugar público você acaba por ver tudo o que é tipo de gente.

Alta, magra, gorda, arrumada, relaxada, esculachada, vestida como rainha ou como plebéia, e assim vai...

Criança chorando, criança rindo, criança pulando, algumas poucas obedecendo, as demais aprontando.

Criança sempre nos leva ao riso ou ao torpor, à graça ou à desgraça, pra não dizer de outros sentimentos menos nobres.

Jovens mães. Bem jovens mesmo. Vestidas como meninas brincando de bonecas. Mas eram cenas reais. Crianças, bebês, gripadinhos, catarrentos, melequentos....aff! Tempos difíceis.

Uma senhorinha miúda, com um casaco cor de rosa (tipo rosa bebê), um lenço meio escuro no pescoço, uma calça toda colorida e colada no corpo, tipo essas roupinhas de criança, um tenis também rosa e andando toda pomposa como se fosse a rainha da Inglaterra.

Junto dela um senhor gordinho, com cara de tanso, que depois de meia hora já estava bravo com a demora. Sentava e levantava da cadeira de espera sem nem mesmo ceder o lugar pra ela que ficou de pé o tempo todo. Quase dormiu em pé. Quase caiu!

Esperamos por mais de cinco horas e você pode imaginar o estado dessa criatura... até que ele parou em frente à porta do consultório. Assim que esta se abriu passou a vociferar certos impropérios para doutora.

Esta, provavelmente já acostumada com situações semelhantes, respondeu-lhe calma e tranquilamente: Senhor, tenha paciência, tem muita gente hoje aqui, logo chega sua vez. E chegou mesmo. Ele era a próxima ficha...

Pessoas vestidas como se fossem pra uma festa. Outras como se fossem pra farra. Outras nem lá nem cá.

Chinelos, sapatos, sandálias, com e sem meia, shorts, bermudas, calças, saias curtas, longas.

Brincos, anéis, pulseiras, pinduricalhos de montão.

E os celulares. De monte. Mais celular que gente. Joguinhos, conversas, toques.

Uma delas entrou num desses jogos que tem uma musiquinha que repete, repete, repete,...num volume incomodante, a ponto da enfermeira sair do seu posto e mandar tirar o volume (sem muita educação, demonstrando que a paciência à muito tinha saído pela porta, se é que tinha vindo de algum lugar...).

Os doutores então... tem de tudo. Alguns acham que sua voz suave será ouvida acima daquele burburinho que mais de cem pessoas fazem num espaço que deveria conter somente metade delas.

Outros chamam os nomes com tanta força que até silenciam a multidão. Mas também temos os estrangeiros que com seus sotaques não conseguem pronunciar de forma correta os nomes de nosso povo, que fica entreolhando-se em busca de confirmações de um pra com outro sobre qual teria sido o nome chamado...até que alguém grita um nome...(o nome de quem fora chamado)...

Alguns médicos talvez já de saco cheio com a situação, a falta de condição, o descaso com o povo e por que não pra com eles também, apesar do salário, tratavam claramente o que a pessoa achava ou dissera ter pois menos de dois minutos era o que gastavam com cada um da enorme fila.

Se você diz que tá com tosse, tome xarope. Febre, dá-lhe dipirona no traseiro. Dor nos rins, tome tramal na veia. Vomito ou diarréia, tome 1 litro de soro, com Plasil, e assim vai. Passa hora, passa dia, passa semana, tudo igual.

A maioria era encaminhada pra tomar um injeção, talvez, punição pra parar de encher o saco com banalidades.

Banal ou não o povo sente. Sente a dor de uma possível doença e sente a dor do desprezo, do sistema desumano e dos profissionais que o atendem. Muitos são de fato profissionais. Outros deveriam ser banidos, especialmente quando se colocam na posição de superiores e de detentores de palavras de ordem, na maioria das vezes em tons ríspidos, secos, em frases curtas que não explicam nada e deixam o povo aturdido, mais ainda do que já chegam, perdidos.

Mas também tem os médicos que gastam uns vinte a trinta minutos por paciente, deixando os demais impacientes até serem atendidos.

Fiquei mais de cinco horas nesse lugar. Fui atendido por um médico de vinte minutos. Tive que voltar lá pra tomar um antibiótico na veia por mais dez dias.

Vi também que o analfabetismo funcional é gigantesco.

Noventa e nove por cento do povo não sabe entender o texto das placas indicativas.

“Colocar somente a guia e manter a receita até ser chamado”.

Mas quem sabe o que é guia e o que é receita?

Colocam tudo no escaninho.

O funcionário, tipo cão de guarda, pegava a papelada e chamava o paciente. Este achando que já seria atendido corria pra porta.

-”É pra deixar só a guia. Segura a receita pra quando for chamado”. Em tom duro, bravo como se ele fosse o general de um exército de ignorantes e burros chucros.

Mas também existem alguns segredinhos.

Cheguei sempre cumprimentando. Sorrindo, mesmo em meu estado doentio. Brincando um pouquinho, sem exagerar. Tratando aquele algoz como gente.

E recebi de volta um sorriso, um tratamento mais relaxado, menos ríspido.

Reconhecia com eles e pra eles que o trabalho é difícil, pesado, cansativo. Me aliava às suas causas e essa solidariedade gratuíta quebrou barreiras.

No final dos dez dias era quase um amigo.

No meio desses atendentes, de vez em quando aparecia um bando de estagiários acompanhado de um professor do curso de enfermagem.

Por duas vezes foram eles que pegaram o meu caso. Eles precisam aprender. Temos que ter paciência. Ser cobaia exige um esforço extra. Eles tremem mais que a gente. Apesar de que eu não tenho medo nem problemas com agulhas e cias. Mas compensa. Ainda bem que o professor acompanha e corrige. Fechou com chave de ouro pois minhas veias já estavam enfraquecidas pelos remédios e pela doença em si.

Mesmo assim acabei mais furado que um queijo suíço. Algumas veias não resistiram e estouraram...

Apesar dos esforços de um bom relacionamento, tem uns mal humorados. Eternos carrancudos.

Acho que se não gostam do que fazem ou das condições precárias a que são submetidos, deveriam procurar outros caminhos em vez de distribuir maldades ao invés de bondades.

O povo não é santo. Tem um monte de bêbado, drogado. Bandidos acompanhados por policiais. Gente que só busca por um atestado, etc...

Mas a grande maioria é gente que precisa de socorro, de remédio, de palavras simples, diretas e objetivas que resolvam pelo menos em parte suas condições e situações.

E por último, o que vi foi um tremendo desperdício de dinheiro público. Do nosso dinheiro. Com processos burros, papelada desnecessária, sem tecnologia. Parece tudo proposital só pra justificar gastos que poderiam ser muito, mas muito melhor consumidos.

Com esse processos “burros”, você vê um monte de gente que corre dum lado pro outro. Carrega uma pilha de papel pra cá, outra pra lá, e pra que?

Um sistema simples de informática, integrado, com a história dos pacientes facilitaria e melhoraria em muito essa semvergonhice toda. Além de ajudar na identificação das fraudes que depois de cinco horas ficam explícitas pra todo bom entendedor da vida.

Sem desejar nada disso pra ninguém!

Até!