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segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Momentos de um Pronto Socorro





Gente boa!

Basta você ficar alguns momentos num Pronto Socorro, seja por qualquer das razões de um episódio desses e você tem material pra muito papo...

A primeira coisa que a gente percebe é que o analfabetismo, dito funcional, campeia à rodo pelo nosso país. Isso por que estou no Estado mais avançado no teórico índice de analfabetismo e também de oportunidades educacionais, etc...

E o que tem a ver analfabetismo com Pronto Socorro?

É que o povo não consegue entender quase nada do processo que ocorre num lugar desses por que apesar de ler as letras das placas e sinais não sabe o significado dos textos, além de não entender as orientações horrorosas que os atendentes dão (também acho que é um saco repetir 500 vezes por dia a mesma coisa, mas então procure-se um outro emprego ou especialize-se no atendimento da burrice alheia):

fazer ficha, passar pela triagem, aguardar a chamada, fazer exames, voltar ao médico, seguir com as providências finais (internar ou ir pra casa).

Dia desses estava eu num desses P.S.´s e fiquei só observando as coisas que aconteceram.

A placa em cima do painel diz: “Consultórios de 4 a 8”.

O painel chama a senha “x” para a sala a 13?!!!

Até o alfabetizado fica perplexo!

O pessoal que não entende fica bravo pois acha que está sendo preterido.

Briga, fala alto, desrespeita o funcionário que está pra atendê-lo, embora muitos desses já entraram no “dane-se, essa burrice não é da minha conta”, por que afinal depois de muita paciência vem o saco cheio.

Cheio de aturar a incapacidade dos nossos governos em prover condições para a evolução das pessoas tanto pessoal como profissionalmente, como socialmente, como...enfim, terceiro mundo parece ainda um prêmio diante do quadro efetivo que se apresenta.

O povo entra nas filas erradas, não entende a orientação recebida, olha feio pros guardinhas que são treinados pra fazer cara de bravo, de malvado.

E o ambiente que já não é o melhor de todos, gigante de problemas, pela sua própria natureza, igualzinho a um certo hino... vai ficando carregado.

Depois tem a TV que fica pendurada lá em cima num canto das salas de espera, sem som e com aquelas legendas que vivem atrasadas em relação ao que se passa na telinha.

Ah! Observa-se que o canal sintonizado é dos piores. Aquele que só transmite as baixarias, absurdos morais e vivenciais que aprofundam o analfabetismo que agora se torna também social, econômico e político. As TV´s que deveriam ser um instrumento de elevação do povo e sua condição trabalha exatamente no sentido contrário. Quando um programa é de fato bom, ele passa lá pelas 11:45, horário que o indivíduo da geral já tá dormindo ou indo pra cama, ou acabou de entrar pro turno da noite!

Um burburinho constante não deixa a maioria escutar os chamados dos painéis de senhas. Depois de vários “apitos” do painel a moça grita de traz do balcão: “687”, “687”, “687”...

O burburinho diminui um pouco, um monte de gente olha um pra cara do outro como se perguntasse: “o que foi que ela disse?”, ou “que número ela falou?”, e de repente alguém se levanta esbaforido e correndo vai até o balcão.

O sistema de senhas é o primeiro a confundir a cabeça dos pessoal pois são várias sequências distintas, uma pra atendimento normal, outra pra preferencial, fora os casos graves que entram passando na frente de todos, e ajeitando a papelada depois, o que está correto, afinal trata-se de um “PRONTO” “SOCORRO” (demora umas 5 horas, mas...).

Mas esse sistema que hora chama uma sequência e hora outra provoca aquela indignação do tipo: “ por que eu ainda não fui chamado?”, “essa pessoa chegou depois e já foi atendida?” …

É o tal protocolo que classifica o risco e tenta organizar o atendimento. Muito bom na teoria, pra alfabetizado nenhum botar defeito. O problema é que esses alfabetizados são em número bem reduzido.

Alguns que conseguem entender o processo, ou que já passaram por ele mais de uma vez tentam explicar para os outros como é que a coisa funciona. Do seu jeito.

E aí vem a solidariedade do nosso povo que compartilha a sabedoria da vida sem o saber das letras.

E cada historia que é contada...

  • “Meu filho é especial. Não pode comer açúcar mas gosta de um doce que só”. Agora não consegue fazer xixi e ninguém sabe porque...Está lá na ala vermelha. Eu não vou entrar. Eu sou acelerado e não passo bem vendo isso tudo.

Outro diz:

  • ela está na ala amarela. Eles não estão chamando a gente. É por que aconteceu alguma coisa lá dentro. Será que é com minha filha? Acho que é por que chegou muita ambulância. (era hora de visita!).

E quando alguém é chamado, “Boa sorte!, Fica com Deus”.

De fato várias ambulâncias tinham chegado.

Uma garotinha de uns 4 a 6 anos, atropelada, com a perninha torta da fratura, chorava pra caramba. Os médicos e para médicos correram todos, todo mundo falando junto entre si e com a menina.

Arrumaram a perninha dela e colocaram numa tala. A mãe trabalhava ali no hospital e estava de plantão, era auxiliar de enfermagem. E lá vai a menina pra sala vermelha. Com a mãe, afinal menores e muito maiores podem e até mesmo devem ser e ficar acompanhados. Mas muitos ficam é sozinhos mesmo, por desinformação ou por covardia dos acompanhantes.

Dali à pouco chega o pai.
Alguém lhe pergunta: Você é o pai da menininha? Por que num lugar desses pouca gente tem nome! (é senhorzinho, senhorinha, menina, moça, moço...). Ele, o pai, vai confirmando e já se desculpando: Sou sim. Foi um segundo Ela estava do meu lado. Tirei ela debaixo do carro. O motorista não culpa nenhuma....

E o perguntador anônimo, vendo o desespero, diz: Ela está bem, nem chorou quando os médicos mexeram com ela...

Hã?!! Entendi!!

O guardinha, gordinho, com jeito de bonzinho, com um paletó que não fechava direito, que faz uma cara de mau, tentando impressionar: O senhor já fez a ficha dela? Me passa aqui.

Depois chegou um camarada com a cabeça enfaixada e a faixa com algum sangue. Estava na ala vermelha e veio pro saguão pra ser levado para a tomografia. Não tinha acompanhante. Chamou o enfermeiro algumas vezes até que este lhe atendeu. Queria a mochila dele. Depois de recebê-la, tirou dela o celular e a carteira e colocou no bolso. E ficou ali na frente de todo mundo aguardando ser levado pra tomo, com a mochila em cima do corpo, desajeitado que estava naquela maca sem apoio pro pescoço.

Outro com a cabeça enfaixada chegou acompanhado. Bêbado que só. Seu acompanhante um travesti. E quanta lição de moral o bêbado escutou, ou melhor os que estavam no saguão escutaram pois o bêbado mesmo aparentava não escutar nada. E o acompanhante falava alto pra dedéu!

Mas o mais interessante foi ver a cara e as feições do tal guardinha. Torcia o nariz, olhava de lado, meio torto, como quem no mínimo não aprovava o que via. A cada sermão uma torcida de nariz. Aparentemente tanto o bêbado como o travesti eram moradores de rua. E os conselhos do travesti ao bêbado nem podem ser publicados aqui (sem a autorização do “sem nome”, é claro).

Uma senhora, nova, em agonia na sala de espera. Seu marido, ainda novo, sofrera um princípio de AVC (Acidente Vascular Cerebral). E como não era menor e nem muito maior não podia ficar lá dentro acompanhado. Passa uma enfermeira que saia de dentro da tal sala vermelha. A senhora pergunta: “como ele está”. - Fulano de tal? Tá dando o maior trabalho, tá gritando e xingando todo mundo!

Pela história da senhora, a mãe do marido havia falecido ali mesmo depois de ser internada com um AVC, e na cabeça do homem, era culpa do hospital: “Eles mataram minha mãe”.

Ele não queria ser internado. Nem percebia que tinha tido um princípio de AVC. E a mulher do lado de fora ficou mais nervosa ainda. Apertava as mãos. Sentava e levantava...

Pois é, os dramas comovem e solidarizam as pessoas. Afinal ali, a maioria fica impotente, e vendo um o sofrimento do outro angariam forças pra tocar o seu lado da vida.

A menininha atropela sai da ala vermelha pra ser levada para o raio “X”. E aquele pai desaba em choro. Inconsolável, sentindo-se culpado. Toma uma dura da mulher que já acalmada e a par da situação manda ele ficar quieto e não atrapalhar.

A evidente falta de funcionários no hospital se demonstra quando os acompanhante é que tem que carregar a maca do doente de um lado pro outro. Leva pra tomo. Volta por que não tem ninguém lá. Toma bronca. Volta pra tomo. Tá sozinha. Manda chamar outro acompanhante que está na recepção. Leva pra lá, volta pra cá. Gente que pagou o imposto, já no hollerith, descontado na marra, e que tem que fazer o serviço pelo qual pagou.

Deixamos o local com aquela sensação de impotência, pois o problema é gigante, pela.... como já mencionamos.

Estacionamento a pagar pois mesmo sendo um local público não tem lugar pra carro, afinal na cabeça de muitos governantes, sistema público não é pra quem tem carro, é pra pobre.

Pobre na verdade é esse que tem esses pensamentos e convicções medíocres, que dividem as pessoas em castas e lhes negam a condição de mudança. Deveria ser esse, impedido de receber atendimento no Sírio-Libanês, às nossas custas, e entrar nas filas do “melhor sistema de saúde pública do mundo” (imagine só o que tem por aí!).


A menininha atropelada gritou e foi atendida de imediato!



Fica aí a dica!