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sábado, 19 de julho de 2014

O que é a bíblia? Parte 16. Incômodo (por Rob Bell)



Série de reflexões sobre a Bíblia, escrita e publicada originalmente em inglês, no tumblr, pelo próprio autor Rob Bell e sua equipe. (http://robbellcom.tumblr.com/post/66107373947/what-is-the-bible).
Transcrito e adaptado para portugues por Marcus Vinicius Epprecht com autorização do autor. Proibida a reprodução para fins comerciais ou qualquer forma de ganho sobre este texto sem a autorização expressa do autor e do tradutor.
Revisado por Felipe Epprecht Douverny, Thabata Basler Epprecht e Fernanda Votta Epprecht.
Publicado em português simultaneamente nos seguintes endereços:





Parte 16. Incômodo



Tudo bem, nós estamos na 16ª parte desta série, e estamos apenas começando.
Hoje eu vou começar com uma história que nos ajudará a pensar sobre materialidade, inspiração e revelação…

Há alguns anos atrás eu escrevi um livro chamado “O Amor Vence” (Love Wins). Por incrível que possa parecer, todos os que leram o livro realmente gostaram (por favor, diga-me que você está rindo*...).
Por volta da época em que o livro foi lançado, tive uma conversa com um pastor bem conhecido que tem muitos seguidores, que queria falar comigo devido a algumas preocupações referentes ao livro ( eu aprendi que ter “preocupações” é o que líderes da igreja dizem quando estão realmente irritados ... ). Devo acrescentar que eu não faço auto pesquisas no google ou sequer leio comentários, críticas ou blogs, portanto eu não fazia ideia do que esperar). Começamos a conversar e ele logo começou a fazer perguntas. Rapidamente notei que sempre que eu ia dizer algo bom sobre Deus, ele imediatamente rebatia com algo violento e terrível a respeito de Deus.

Por exemplo, eu poderia dizer que:

Jesus falou sobre a renovação de todas as coisas

E então ele iria combater com:

Mas Deus pode decidir acabar com toda a aldeia como no livro de Juízes.”

Esse tipo de coisa.

Tudo o que eu disse ele respondeu com um versículo ou história da Bíblia sobre quão cruel e punitivo Deus pode decidir ser - incluindo sua insistência contínua de que Deus pode simplesmente decidir enviar todos para queimar no inferno para sempre, pois a humanidade merece. Quando eu salientei que: “se Deus é assim, capaz de decidir sobre toda a humanidade, então não poderia Deus decidir não enviar todos para queimar para sempre no inferno?” Se Deus é aleatório - como este pastor continuava insistindo - por que sempre tem que ser horrivelmente aleatório? Deus não pode ir para ambos os lados da aleatoriedade? Por que não é um aleatório bom? Não é desse Deus que Jesus falou? Aquele que dá o mesmo pagamento para quem trabalha menos horas e convida os perdedores para as festas... (Na verdade, esse é o ponto de Jesus! Muitas e muitas vezes esse é o seu ponto! Deus não dá o que as pessoas merecem...).

Ao que esse pastor inevitavelmente retrucaria com algo sobre como você não pode confiar nessetipo de história por causa de... e então ele citaria algo brutal do Velho Testamento.

Se você está imaginando que foi uma conversa incômoda, realmente foi.

Fomos e voltamos desse modo por um tempo, até que me dei conta do que estava acontecendo entre nós e disse:

Eu não leio a Bíblia como uma linha reta. Eu não vejo todas as passagens da Bíblia igualmente colocadas lado a lado para que você possa escolher uma e, em seguida, confrontá-la com outra e ir e voltar sem parar, sempre te conduzindo para a aleatoriedade de Deus. Leio como uma história se desenrolando, como um arco, uma trajetória, um movimento e impulso como todas as grandes histórias têm. Há partes mais antigas na história, e há partes posteriores na história. A história caminha para algum lugar e, sendo cristão, vejo que ela se dirige até Jesus. Por causa disso, eu a leio através das lentes de Jesus, especialmente as partes que vêm antes das partes especificas sobre Jesus.

Ele disse que não fazia idéia do que eu estava falando.

Ai!

Então, vamos revisar:
A Bíblia foi escrita por pessoas.
Pessoas que escreveram coisas durante um longo período de tempo.

Essas coisas que eles escreveram, algumas das quais começaram como tradição oral, gradualmente tomaram forma como a biblioteca que conhecemos como Bíblia. Livros foram deixados de fora, os escritos foram editados, coisas foram adicionadas, decisões foram tomadas sobre quais livros pertenciam ou não e, por fim a biblioteca de livros que sabemos ser a Bíblia passou a ser A BÍBLIA.

Essas coisas que eles escreveram refletiam o modo como viam o mundo em seu tempo e em seus contextos. As histórias contadas e as explicações dadas para como e por que as coisas aconteceram daquele modo foram filtradas através de sua consciência particular.

Quando você lê a Bíblia, então, você está lendo o desdobramento de uma narrativa que reflete uma consciência humana em crescimento e expansão. Quando você a lê como uma história se desenrolando você não edita os dados anteriores ou finge que eles não estão lá, você lê à luz de onde a história está indo. Isso não significa que os dados anteriores são ruins ou sem valor, eles são apenas anteriores. É assim que as pessoas entendiam as coisas naquele ponto da história, mas a história continuou. (Graças a Deus).

É por isso, meus amigos, que vocês se encolhem durante os sermões em que o pregador lê uma história horrível na Bíblia e, em seguida, tenta explicar isso de uma maneira que fique todo mundo enroscado.
O pregador, naquele momento, está tratando a Bíblia como um
relato estático
Ao invés da
Narrativa em desdobramento
Que ela é.

Quando você a entende como um relato estático, então você está constantemente tendo que defender Deus e explicar por que Deus não é tão mal e cruel como esse Deus parece claramente ser. Você está eternamente tentando conciliar as partes anteriores da história com partes posteriores, tentando fazê-las ficar lado a lado em uma superfície plana, como iguais. Isso deixa você atrofiado, promovendo o literalismo empolado que rouba dessas histórias sua vida. É estranho, e pouco convincente, e é por isso que muitas e muitas pessoas não se sentem bem com sermões assim. (A propósito, há um fluxo interminável de artigos, pesquisas e colunas sobre a diminuição da frequência à igreja que raramente ou nunca fala sobre a consciência, que é a verdadeira razão pela qual as pessoas não vão à igreja. Eles deixaram a consciência tribal / violenta / mágica / mítica e, assim, percebem esses sermões, ensinamentos e modos de ver o mundo como um retrocesso... ).

Por diversos motivos, a Bíblia surge da história humana real, refletindo as pessoas falhas, brilhantes, frustrantes, que contaram histórias e escreveram esses livros. Ela reflete o crescimento, amadurecimento e a expansão de perspectivas - muito parecido com um indivíduo que cresce e amadurece. Você está orgulhoso de tudo que você já disse? Existem coisas que você disse ou fez que se ouvíssemos e víssemos agora você ficaria envergonhado?

Claro.
Então, por que nos surpreender quando nesse registro extremamente humano que chamamos a Bíblia, há partes que são chocantes e repugnantes?

Eles refletem partes anteriores da história.
E partes anteriores da história são muitas vezes assim.

(O que levanta questões sobre as muitas maneiras em que ainda não progredimos no mundo moderno, repetindo algumas das mesmas deformidades e caminhos tortos. Mas nós ainda chegaremos neste assunto).

Deus tem este hábito engraçado de usar pessoas reais para revelar a Sua palavra. E as pessoas, sendo como são, têm agendas e perspectivas, uma consciência particular. As pessoas tomam decisões de deixar coisas e de incluir coisas que não estavam lá antes, e na formação da Bíblia pessoas decidiram o que Deus disse e não disse...

Essa é a Bíblia.
Não importa o quão divina, inspirada ou reveladora acreditemos que ela é, nós só vamos chegar lá se começarmos com a humanidade desse livro. Se você começar por aí, pode encontrar alguma coisa divina, mas somente se você começar por aí…


    * Nota de tradução: o livro Love Wins provocou uma tremenda discussão no meio evangélico e cristão norte-americano chagando a ser o autor acusado de herege e universalista (linha teológica que prega a salvação de todos os seres humanos independemente de sua aceitação ou não de Jesus Cristo como o Salvador).



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