Série
de reflexões sobre a Bíblia, escrita e publicada originalmente em
inglês, no tumblr, pelo próprio autor Rob Bell e sua equipe.
(http://robbellcom.tumblr.com/post/66107373947/what-is-the-bible).
Transcrito
e adaptado para portugues por Marcus Vinicius Epprecht com
autorização do autor. Proibida a reprodução para fins comerciais
ou qualquer forma de ganho sobre este texto sem a autorização
expressa do autor e do tradutor.
Revisado
por Felipe Epprecht Douverny e Fernanda Votta Epprecht.
Publicado
em português simultaneamente nos seguintes endereços:
Parte
10. O Poder de um Poema
Então,
nós cobrimos algumas histórias das escrituras, olhando para o seu
contexto e o mundo no tempo em que elas foram contadas, olhando para
o desdobramento da história logo abaixo da superfície. Em seguida,
vamos explorar a natureza do que está se desenrolando e como ela
reflete a evolução da consciência humana, então a autoridade, a
inspiração e a expressão: palavra de Deus. Mas antes disso,
uma outra questão ...
avguy1981
perguntou: (pergunta enviada por usuário do tumblr)
Você
muitas vezes refere-se à história da criação como um " poema
". Você pode expandir este ponto?
Claro.
A Bíblia começa com um poema. É
um belo e lírico poema, com um refrão e
um ritmo (porque, claro, Deus tem um fantástico senso de ritmo) e é
construído num crescendo forte, curiosamente, com os seres humanos
(!). É importante lembrar-se sempre, que quando você está lendo a
Bíblia você está lendo literatura. Forma, gênero e estilo são
muito, muito cruciais para entender o que é que você está lendo.
Por
exemplo, há uma coleção de poemas nas escrituras hebraicas chamada
de Cântico dos Cânticos. O Cântico dos Cânticos são naturalmente
quiásticos (* Nota
de tradução: Vem de quiasmo, figura de linguagem em que os
elementos são dispostos de forma cruzada. Deriva da letra grega X
(chi)),
o que significa que alguns refrãos (como em uma canção) vão se
repetir por toda parte. Se você tentar ensinar ou pregar através
destes poemas, versículo por versículo, você vai acabar se
repetindo mais e mais, porque você vai continuar caindo nos refrãos
que você já encontrou. Se você está procurando um argumento
lógico, linear, você não vai encontrar nenhum. Se você estiver
procurando por vislumbres, temas, imagens, cenas que são vagamente
conectadas, mas juntos pintam um quadro particular de amor, você vai
encontrar um monte deles para falar a respeito …
Então,
por que Gênesis começa com um poema? Porque
algumas verdades só podem ser capturadas em poesia.
Ninguém
estava lá no início do mundo.
Ninguém
viu o Big Bang.
Ninguém
tirou fotos.
Então
como você - sem a ciência e todos os dados e análise e hipóteses
que vêm com ela - escreveria sobre algo que está além das palavras
e que ninguém testemunhou?
Você
escreve um poema.
E
se você está tentando contar a história do Êxodo, o
que significa que você precisa dizer algo a respeito de Abraão ser
o pai de um novo tipo de povo, então
você vai precisar contar sobre o colapso da sociedade humana,
que
levou à necessidade de um novo tipo de povo, o que significa que
você vai precisar começar a história do início. Mas
você não estava lá, então como você explica isso? Com
um belo de um poema que subversivamente derruba as narrativas
dominantes de seu tempo com uma nova visão do divino, enraizada não
na destruição e carnificina, mas no amor e na criatividade e
alegria.
Por
que isso é importante? Porque há certas perspectivas sobre este
poema que querem tratá-lo como um livro de ciência. Essas
perspectivas estão seriamente equivocadas, muitas vezes, insistindo
que os sete dias no poema são literais sete dias de 24 horas como os
entendemos hoje. O que isso faz é roubar do poema seu poder e
eloqüência. É por isso que muitas pessoas que foram ensinadas a
ler passagens como esta, palavra por palavra, literalmente, acabam
desconectadas pela própria Bíblia. Quando
você força as escrituras em categorias que as próprias escrituras
não empregam você tira delas sua própria vida.
E no processo de criar argumentos absurdamente embaraçosos, como
dias de 24 horas revelando uma pletora* (Ei Pepe, você diria que tem
uma pletora?) de inconsistências no processo (tais como: medimos um
dia de 24 horas pela rotação da terra que não tinha sido criada
até havia pouco, sendo que o sol e a lua são criados no poema
apenas no quarto dia....).
Falando
do sol, o sol (o deus sol) era adorado em culturas mesopotâmicas,
porque é tão claramente uma fonte de energia para a vida humana.
Assim,
quando este poema menciona o sol sendo criado, isso é um comentário
brilhantemente subversivo. A primeira audiência, que estava
familiarizada com o deus sol, teria dito: Espera
aí! O quê? O deus neste poema fez o sol? Ah vá?
Lembre-se
também, os mitos da criação que eram populares nesse momento (
Epopéia de Gilgamesh, etc ), todos tinham uma narrativa bastante
semelhante: os deuses estavam em guerra e a partir de sua carnificina
e destruição em suas batalhas, a vida como a conhecemos surgia. E
então este poema entra em cena e insiste que não estamos aqui por
causa de destruição e carnificina, estamos aqui por causa da
criatividade geradora divina que energiza e quer o mundo num excesso
de amor e alegria.
Isso
teria sido uma idéia nova e radical, para dizer o mínimo.
Este
poema levantou uma questão provocativa: Estamos aqui por causa da
violência entre os deuses ou alegria divina e criatividade? Qual
é o motor por trás de tudo? (Essa ainda é a questão, não é?)
Uma
história rápida: Um amigo meu estava em Jerusalém falando com um
dos maiores rabinos do mundo. Meu amigo é um cristão e disse ao
rabino que a sua denominação estava tendo um debate sobre se o
primeiro capítulo da Bíblia deveria ser tomado literalmente como
seis dias de 24 horas. O rabino escutou - um homem que teria Gênesis,
junto com o resto das escrituras hebraicas memorizados, é claro - e,
em seguida, ele fez uma pausa antes de dizer: Eu
nunca pensei sobre isso.
*nota
de tradução: Pletora significa superabundância, exuberância,
plenitude. O sentido é de infinidade de criações num único dia.
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