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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

O que é a bíblia? Parte 3. Peixe #1


Série de reflexões sobre a Bíblia, escrita e publicada originalmente em inglês, no tumblr, pelo próprio autor Rob Bell e sua equipe.(http://robbellcom.tumblr.com/post/66107373947/what-is-the-bible).
Transcrito e adaptado para portugues por Marcus Vinicius Epprecht com autorização do autor. Proibida a reprodução para fins comerciais ou qualquer forma de ganho sobre este texto sem a autorização expressa do autor e do tradutor.
Revisado por Felipe Epprecht Douverny.
Publicado em português simultaneamente nos seguintes endereços:





Parte 3. Peixe #1


... Então Pul, rei da Assíria, invadiu a terra …

Tiglate- Pilesar, rei da Assíria , veio ... e deportou o povo …

Salmanasar, rei da Assíria, marchou contra Samaria e a sitiou...

a partir de 2 Reis 15 e 18

Invadiu
Deportou
Sitiou

Invasão é o que acontece quando você levanta um exército e, em seguida, marcha para outro país e o domina com o uso da força, do poder e da violência.

Deportar é o que acontece quando se captura os habitantes do país invadido e forçosamente tira o povo desse país de suas casas e empregos e cidades e terra e, em seguida, os leva para longe.

Sítiar é o que acontece quando se cerca uma cidade com o seu exército e fazendo isso se corta o suprimento de alimento e água dessa cidade, de modo que, após muitas pessoas passarem fome, sofrerem e morrerem, elas acabam desistindo de resistir e se rendem.

Os assírios, em outras palavras, eram maus. Desagradáveis, brutais, violentos, opressivos - os assírios tornaram a vida miserável para os israelitas. Ano após ano, após ano.

É durante essa época que surgiu uma história sobre um homem chamado Jonas.

Jonas era um israelita.

E de acordo com esta história em particular, o Deus de Jonas diz a Jonas para levar uma mensagem à grande cidade de Nínive.

E Nínive estava na ... Assíria.

Assíria? Nosso pior inimigo? Os infiéis odiados que transformaram a vida do nosso povo num verdadeiro inferno várias e várias vezes? Você quer que eu vá para o centro da besta e faça algo de bom para eles? Sério?

Jonas não quis saber de nada disso e por isso partiu para o porto mais próximo, tomou um navio, e navegou na direção oposta.

Claro que ele fez isso.
Você pularia num barco também!

(Nota : Muitas vezes, esta história é contada de tal maneira que a desobediência de Jonas é o ponto chave da primeira parte, e “Veja a seguir o que acontece quando não fazemos o que Deus nos diz para fazer.” Mas como você imagina que o primeiro público dessa história teria reagido quando Jonas não vai para Nínive? Eles odiavam os assírios. Será que eles se concentrariam em sua desobediência ou teriam aplaudido Jonas, com quem provavelmente estavam totalmente identificados? )

Assim, ele fica no barco, uma tempestade vem, há uma discussão entre a tripulação sobre a causa da tempestade, eles determinam que ele, Jonas, é o problema, eles decidem jogá-lo ao mar, ele é engolido por um peixe, ele ora na barriga do peixe, o peixe o cospe, então ele vai para Nínive, os ninivitas são fantasticamente receptivos à sua mensagem, e, em seguida, a história termina com ele tão deprimido que ele quer se matar por causa de uma planta.

(Você não pode inventar uma coisa dessas)

Há tanta coisa aqui, onde eu começo?

Nós vamos chegar ao engolido por um peixe em breve, mas, primeiro, vou começar com a simples estranheza dessa história.

Você presumiria que uma história contada por israelitas sobre assírios se limitaria a categorias bastante simples e diretas de bom e mau, certo e errado, justo e ímpio?

Mas o israelita nesta história, aquele que supostamente segue a Deus, corre na direção oposta de Deus. A palavra que é usada é fugir. Jonas foge. Ele, então, acaba em um barco cheio de marinheiros " pagãos" que oram.

E enquanto eles estão orando para a tempestade parar Jonas não o faz. Jonas dorme.

Os pagãos, os marinheiros pagãos fizeram todos os tipos de perguntas para tentar descobrir por que essa tempestade veio sobre eles, apenas para descobrir que Jonas é o problema, algo que Jonas sabia o tempo todo.

E então, quando ele finalmente chega a Nínive, depois que ele resistiu a Deus mais de uma vez, estes horríveis e desagradáveis assírios se tornaram abertos à mensagem de Deus, realmente abertos - tão abertos que o rei ordena:

... Que os homens e os animais sejam cobertos de saco.

Pano de saco era o que se usava quando se estava clamando a Deus, quando você estava extremamente consciente de seus pecados, quando você estava pedindo a misericórdia de Deus. O rei ordena que todos se arrependam e vistam-se de saco, incluindo os animais!

(Animais arrependidos ? O q...!? .... Um detalhe bastante surreal, para dizer o mínimo. Uma das muitas dicas de que o autor tem um objetivo maior em mente ... ao qual nós vamos chegar em breve.)

(Outra questão sobre esse ponto: quando você lê a Bíblia e identifica partes estranhas como animais vestindo saco, tome nota dessas partes estranhas, porque geralmente elas estão lá por alguma razão...).

Estamos familiarizados, no mundo moderno, com estruturas que veem as coisas em termos dualistas: existem as pessoas boas, e depois há as pessoas más, não é a coisa certa a fazer, não é a coisa errada a fazer, há pessoas que precisam de salvação, e depois há as pessoas que realizam a salvação.

Mas nesta história as categorias estão todas embaralhadas. O supostamente justo israelita é desafiador e preguiçoso e aparenta ser um tolo / idiota, enquanto os pagãos supostamente maus e perversos são receptivos e abertos à mensagem de Deus para eles.

E então, no final, depois que Jonas teve uma mudança de coração e viu essa grande mudança, milagrosa, no coração dos ninivitas bem diante de seus olhos, ele fica tão chateado com isso que quer morrer.
.
Ele diz para Deus:
Eu sabia que você é um Deus clemente e compassivo, tardio em irar-se e cheio de amor, um Deus que abranda o envio de calamidades.

E então ele acrescenta:
Agora Senhor, tira a minha vida, pois é melhor, para mim, morrer do que viver.

Que história bizarra!
Uma história em que nenhum dos personagens faz o que se espera que eles façam. O que levanta as questões:
Então, por que essa história sobreviveu?
O que as pessoas acharam de importante nessa história para que valesse a pena contá-la e preservá-la?
O que isso nos diz sobre como eles entendem quem são e quem é Deus?

Várias respostas.
Em primeiro lugar, esta história é sobre um homem, mas também sobre uma nação. Jonas não quer ir para Nínive, porque os assírios tinham tratado os israelitas horrivelmente. A história faz a pergunta:

Pode Jonas perdoar os assírios?
o que é realmente a questão
Pode Israel perdoar os assírios?

Jonas está irritado no final,
com raiva porque Deus foi tão gentil com eles.

Claro, Jonas está irritado.

Quando você não perdoou alguém que o ofendeu e, em seguida, algo de bom acontece com ele, quando ele é abençoado ou recebe misericórdia ou experimenta um favor - isso é enfurecedor.

O que nos leva a um tema maior da Bíblia: de acordo com o que está se desenrolando até Jonas ficar em um barco, Israel tinha um chamado desde o início de sua história (Gênesis 12 para ser mais preciso ) para ser uma luz para o mundo, para mostrar ao mundo o amor redentor de Deus.

Um chamado que eles não atenderam.

Há uma pergunta, então, que se esconde na história de Jonas:
Você pode perdoar o seu pior inimigo e ser um canal através do qual o amor redentor de Deus pode fluir para ele?

É uma pergunta para Jonas
porque
é a questão para Israel.

É por isso que o livro de Jonas não termina com uma conclusão ou uma sentença ou detalhes sobre o que Jonas faz em seguida.

O livro termina com uma pergunta, uma pergunta que Deus tem para Jonas:
Eu não deveria estar preocupado com aquela grande cidade?

É uma pergunta para o personagem Jonas na história,
mas num nível muito mais significativo,
é uma questão que o autor está colocando ao público,
um público que só podemos concluir que teria muitas, muitas razões pessoais para responder ...

não.

Dito isso, o que acontece com a parte do peixe?



sábado, 22 de fevereiro de 2014

O que é a bíblia? Parte 2. Inundações


Série de reflexões sobre a Bíblia, escrita e publicada originalmente em inglês, no tumblr, pelo próprio autor Rob Bell e sua equipe. (http://robbellcom.tumblr.com/post/66107373947/what-is-the-bible).

Transcrito e adaptado para portugues por Marcus Vinicius Epprecht com autorização do autor. Proibida a reprodução para fins comerciais ou qualquer forma de ganho sobre este texto sem a autorização expressa do autor e do tradutor.
Revisado por Felipe Epprecht Douverny.
Publicado em português simultaneamente nos seguintes endereços:





Parte 2: Inundações



Vamos falar sobre as inundações. Porque os antigos faziam isso. Os sumérios contaram histórias de inundação, os mesopotâmios contaram histórias de inundação, os babilônios contaram histórias de inundação. Histórias sobre a água e seu poder destrutivo para acabar com vilas, cidades, civilizações e pessoas, não eram incomuns no mundo antigo.

Havia até mesmo histórias sobre pessoas construindo barcos para sobreviver a estas inundações.

Nestas histórias de inundação, toda essa água que vem para destruir a humanidade era entendida como sendo um juízo divino em relação à forma como as pessoas haviam estragado tudo. Os deuses estão com raiva, acreditava-se. E uma inundação era a sua maneira de limpar o convés para começar de novo.

Durante quarenta dias e quarenta noites a chuva caiu sobre a terra ... [Gênesis 7]

Então, quando chegamos a uma história sobre um dilúvio, no livro de Gênesis, ela não é tão incomum. Esta história do dilúvio é como as outras histórias de inundação porque esse deus é como os outros deuses - encheu-se com a depravação da humanidade, e desencadeia a ira divina, sob a forma de uma inundação.

Mas, então, essa história faz algo estranho. Ela termina com a insistência divina

E então este Deus traz um arco-íris e uma promessa e uma aliança.

Uma o quê?

Uma aliança. Uma aliança é um acordo, um juramento, um vínculo relacional entre dois seres que pertencem um ao outro.

Não era assim que as outras histórias de inundação terminavam. Nessas histórias os deuses estão com raiva e todo mundo morre, e os deuses ficam satisfeitos. Fim da história.

Mas este deus é diferente. Este deus compromete-se a viver com as pessoas de um modo novo, um modo em que a vida é preservada e respeitada.

Então, por que essa história, em particular, foi contada?
Por que essa história importa?
Por que isso persiste?

Várias razões:

Primeiro, imagine, não havia fotos da Terra a partir do espaço, não havia relatos meteorológicos, não havia imagens do Google, nem aviões. Imagine que você nunca tinha se afastado mais do que alguns quilômetros de onde você nasceu. E então imagine um monte de água, muitas ondas, enxurradas, aterrorizante, vindo sobre você, do nada
e jogando toda a sua vida fora.

Imagine o que isso faria para a sua psique.

Você poderia fazer o que fazemos sempre que sofremos - você buscaria as causas. E no mundo antigo, era consenso geral que as forças que causavam este tipo de coisas eram os deuses. Eles que “estavam por aqui com” as formas equivocadas, traiçoeiras e depravadas dos seres humanos, haviam decidido liberar a sua ira.

É assim que as pessoas viam o mundo.

Mas, então, há uma diferença: esta história começa de uma forma familiar, da mesma forma que as pessoas tinham ouvido antes, mas, em seguida, ela toma uma direção diferente. Muito diferente, uma direção envolvendo arco-íris e juramentos e acordos.

Não era assim que as pessoas falavam sobre os deuses.
Os deuses estão furiosos - é assim que as pessoas entendiam os deuses.

Mas essa história, essa história é sobre um Deus que quer se relacionar -
um Deus que quer salvar -
um Deus que quer viver em aliança …

Esta história é sobre uma nova visão de Deus.

Não é um Deus que quer aniquilar as pessoas,
mas um Deus que quer viver em relacionamento.

Então, sim, é uma história primitiva.
Claro que é.
É uma história muito, muito antiga.
Ela reflete como as pessoas viam o mundo e explicavam o que estava acontecendo ao seu redor.

Mas, descartar essa história tão antiga e primitiva é perder de vista que, quando essa história foi contada pela primeira vez, tratava-se de uma nova e incrível concepção de um Deus melhor, mais amável, mais pacífico, cuja maior intenção para com a humanidade não é a violência, mas o amor.

É primitiva, mas também é muito, muito progressista.

Mais um pensamento, agora sobre unicórnios.
(Não é ótima essa frase?)

Você vai ouvir muitas vezes as pessoas falarem sobre histórias da Bíblia como esta com um certo “virar de olhos”: você acha que as pessoas ainda acreditam nesse tipo de coisa?

Grande parte desse cinismo é devido à forma como essas histórias tem sido contadas,
muitas vezes por pessoas religiosas bem intencionadas tentando provar que realmente
havia dois animais no momento que entraram numa arca e

Sim, o barco era realmente grande o suficiente

e

claro que Deus tinha um plano para onde colocar o cocô do elefante.

Esse tipo de coisa. O que este literalismo empolado faz, em seus esforços para levar a história a sério, muitas vezes é perder de vista o objetivo da história. Esta história foi um grande salto à frente na consciência humana, um avanço na forma como as pessoas concebiam o divino, mais um passo em direção a um entendimento relacional e menos violento, do divino.

Ela começa como as outras histórias de inundação começavam,
mas então ela vai para um lugar diferente.
Um lugar novo .
Um lugar melhor …

Agora, a partir das inundações, vamos falar sobre peixes.
Especificamente os peixes que engolem as pessoas por três dias para depois vomitá-los.




sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

O que é a Bíblia? Parte 1 (por Rob Bell)

Série de reflexões sobre a Bíblia, escrita e publicada originalmente em inglês, no tumblr, pelo próprio autor Rob Bell e sua equipe.(http://robbellcom.tumblr.com/post/66107373947/what-is-the-bible).
Transcrito e adaptado para portugues por Marcus Vinicius Epprecht com autorização do autor. Proibida a reprodução para fins comerciais ou qualquer forma de ganho sobre este texto sem a autorização expressa do autor e do tradutor.
Revisado por Felipe Epprecht Douverny.
Publicado em português simultaneamente nos seguintes endereços:





Parte 1. Alguém escreveu alguma coisa


Tive recentemente uma série de conversas que de alguma forma me levaram à Bíblia. Digo “de alguma forma” porque não foram conversas com amigos particularmente religiosos que me levaram à Biblia, e ainda assim eles falavam sobre o seu interesse na Bíblia.

Alguns reconhecem prontamente esta biblioteca particular de livros (sim, é uma biblioteca, mais tarde falarei sobre isso...) que moldou a civilização ocidental profundamente e de inúmeras maneiras, e mesmo assim muitos não tem a menor noção do que a Bíblia realmente é. E mais: eles não têm a menor idéia sobre o que a Bíblia realmente é, além de vagas referências como: Davi matando Golias (Embora no livro de 2 Samuel esteja escrito que um homem chamado El-Hanã matou Golias); ou advertências sinistras sobre o fim do mundo (como no recente filme This Is The End, onde Jay Baruchel fica lendo trechos do livro do Apocalipse para Seth Rogen, Jonah Hill e James Franco, como se esse fosse o livro para ajudá-los a entender por que o buraco em seu jardim na frente de sua casa engoliu Rihanna ... ); ou histórias sobre Jesus fazendo coisas como transformar água em vinho (Verdade? Esse foi o seu primeiro milagre? Ele tornou possível que as pessoas continuassem a beber por dias a fio? É por isso que Jesus foi acusado de ser um bêbado?).

Outros ouvindo alguém citar a Bíblia, algo no que a pessoa disse os fez pensar “não é possível que a Bíblia diga isso. E mesmo assim eles não têm nenhuma maneira melhor ou mais bem informada de combater a explicação que ouviram do outro, a não ser dizendo: você não pode estar falando sério, isso é loucura!!!

Para outros, a Bíblia os pegou desprevenidos. Eles tiveram uma experiência, eles provaram alguma coisa, eles sentiram algo, eles sofreram algo e eles descobriram na Bíblia uma linguagem para o que tinham experimentado. Eles foram injustiçados por alguém e sendo francos consigo mesmos perceberam que eles queriam que a pessoa morresse de um jeito violento e macabro. E descobriram que esses mesmos impulsos estavam descritos em detalhes vívidos nos Salmos. Como é que alguém que escreveu milhares de anos atrás, em um lugar diferente, em um idioma diferente em uma cultura diferente pode descrever, com detalhes tão surpreendentes, exatamente o que eu estou sentindo aqui e agora, no mundo moderno? Como algo que muitos descartaram como irrelevante pode ser às vezes tão chocantemente relevante?

Boas perguntas!!!

Eu vou chegar às perguntas.

Vou começar com a forma como a bíblia passou a ser a Bíblia,
então eu vou escrever sobre
inundações
e
peixe
e
torres
e
sacrifício de crianças
tudo a fim de explorar o que está acontecendo sob a superfície das histórias da Bíblia.

Então eu vou abordar algumas das maneiras nas quais muitas pessoas foram ensinadas a pensar e falar sobre a Bíblia -

como a palavra de Deus, O Bom Livro, a palavra viva, os princípios para viver, A Palavra, o padrão absoluto, A VERDADE INERRANTE SOBRE A QUAL NÃO PODE HAVER DÚVIDA, a visão de Deus sobre as coisas, o supremo manual do proprietário, e assim por diante.

- e por que essas formas de pensar e falar sobre a Bíblia não estão funcionando hoje da forma como costumavam para muitas e muitas pessoas.

Tudo isso me leva a articular uma forma de entender a Bíblia na qual a mente e o coração estejam ambos totalmente engajados, em vê-la e lê-la pelo que ela é: uma vibrante, antiga, poética, revoltante, provocante, misteriosa, reveladora, escandalosa e inspirada coleção de livros chamada “A Bíblia”, que conta uma história,
uma história que eu quero que você ouça.

Primeiro, então, um pouco sobre como chegamos à Bíblia.

Alguém escreveu algo.

Óbvio, mas verdadeiro. É um importante ponto de partida.

A Bíblia não caiu do céu, foi escrita por pessoas.

Mais uma vez, óbvio, mas nos dá uma base para começar a pensar sobre o que a Bíblia é. Muitas das histórias da Bíblia começaram como tradições orais, transmitidas de geração em geração até que alguém as colecionou, editou, e realmente as escreveu. Às vezes centenas de anos mais tarde. Isto é, anos e anos de pessoas sentadas em torno de fogueiras e caminhadas ao longo das estradas empoeiradas e quentes, reunindo-se para ouvir e discutir, debater e lutar com essas histórias.

As pessoas que escreveram estes livros tinham muito material para escolher. Havia muitas histórias por aí, muitas coisas sendo transmitidas, muito material a incluir.
Ou não incluir.

(Há um verso no livro do Antigo Testamento de 1 Reis 11, onde o autor escreve:

Quanto aos outros eventos do reinado de Salomão , tudo que ele fez e a sabedoria que ele mostrou - porventura não estão escritos no livro dos anais de Salomão?

Bem, sim, eu acho que eles estão ... só que não temos idéia do que ele esteja falando.
Interessante a premissa por parte do autor de que não só sabemos disso, mas temos acesso a esses anais.
O que não temos.

Vemos algo semelhante no evangelho de João, onde está escrito:

Jesus realizou muitos outros sinais na presença dos discípulos, que não estão registrados neste livro

e, em seguida, o livro termina com esta linha:

Jesus fez muitas outras coisas também. Se cada uma delas fosse escrita, nem todos livros do mundo poderiam conter esses escritos.

É como se o escritor, só para embrulhar as coisas, acrescentasse: Ah, Sim! eu deixei uma tonelada de coisas para fora!!).

Os autores dos livros da Bíblia, então, não estavam apenas escrevendo, mas selecionando e editando e fazendo uma série de decisões sobre sobre qual material e conteúdo apoiava/combinava ou não com seus propósitos ao escrever.

Esses escritores tinham agendas:

Lucas: Eu também decidi escrever um relato ordenado para você ...
O Livro de Ester : Isto é o que aconteceu ...
João: Estes foram escritos para que creiais …

Havia pontos que eles queriam expor, defender, ressaltar, coisas que eles queriam que seus leitores vissem, idéias que queriam compartilhar. Estes escritores, é importante ressaltar, eram pessoas reais que viviam em lugares e tempos reais. E seus verdadeiros propósitos, intenções e agendas foram moldados por seus tempos, e lugares
e contextos e economias e política e religião e tecnologia e inúmeros outros fatores.

O que nos diz sobre o mundo em que Abraão viveu, o fato de que, quando lhe foi dito para oferecer seu filho como um sacrifício, ele tenha partido para fazê-lo como se fosse uma coisa natural para um deus pedir?

A história de Davi e Golias começa com tecnologia. Os filisteus tinham um novo tipo de metal, os israelitas não. A história é amparada pelo medo primal que vem quando seu vizinho tem armas que você não tem - como lanças. Ou equipamentos de guerra. Ou bombas.

Por que o apóstolo Pedro usa a frase não há outro nome debaixo do céu ... ?
Onde ele conseguiu essa frase e que imagens de propaganda militar seriam trazidas à mente de seus ouvintes ?

Pessoas reais ,
escrevendo em lugares reais ,
em tempos reais ,
com agendas ,
escolhendo incluir algum material,
optando por deixar de fora outro material,
tudo porque eles tinham histórias para contar.

Dito isto, dois pensamentos para encerrar esta introdução:

Em primeiro lugar, para alguns, a Bíblia é apenas uma coleção de livros antigos.
Livros escritos por pessoas, e nada mais. Para outros, a Bíblia é uma coleção de livros, mas também é mais do que apenas uma coleção de livros. Eles são livros, mas são mais do que apenas livros.

Mais adiante nós vamos chegar a palavras como inspiração, e revelação, e “Deus soprou” (no que eu creio - mas estou me adiantando), mas, por enquanto, é importante começar por afirmar o óbvio: A Bíblia é em primeiro lugar, antes de mais nada, uma biblioteca de livros escritos por seres humanos.

Digo isto porque há um literalismo artificial que muitos têm encontrado em relação à Bíblia, que faz grandes declarações sobre sua divindade e inspiração e perfeição, e depois não sabe o que fazer com a sua humanidade.

Por que os quatro relatos da ressurreição nos evangelhos diferem em detalhes básicos?

Por que não existem denúncias claras de poligamia? Ou escravidão?

Por que Paulo diz no Novo Testamento que ele está falando, não o Senhor ... ?

Quando as pessoas definem com grande insistência: “esta é a palavra de Deus” negligenciando o tempo todo a humanidade muito real desses livros, elas podem, inadvertidamente, roubar desses escritos justamente seu poder sagrado.

Tudo por começar no lugar errado.

Você começa com o humano. Você faz essas perguntas, você entra ali (na Bíblia), você direciona suas energias para entender por que essas pessoas escreveram estes livros.

Porque tudo o que você encontrar de divino nela, será através do humano, e não em torno dele.

(Preciso falar um pouco sobre onde eu quero levá-lo: se você deixar de lado a natureza divina da Bíblia como ponto de partida, e mergulhar na humanidade dela, você encontrará o divino de forma inesperada, em maneiras que podem realmente transformar o seu coração. Esse é o ponto, certo?)

Em segundo lugar, um pouco sobre as perguntas.

Muitas vezes, especialmente quando as pessoas encontram uma passagem estranha ou macabra ou particularmente inexplicável, elas vão perguntar:

Por que Deus disse isso?

O problema com essa questão é que ela pode deixá-lo amarrado em todos os tipos de nós. (Sério? Deus disse-lhes para matar todas as mulheres e crianças? Deus disse? E nós devemos aceitar que, bem, é assim que Deus é?).

Esse tipo de coisa.

A melhor pergunta é:
Por que as pessoas acharam importante contar essa história?

seguida por:
O que foi que fez esse povo registrar essas palavras?

seguida por:
O que estava acontecendo no mundo naquela época?

e então:
O que esta passagem / história / poema / verso / livro nos diz sobre como as pessoas entendiam quem eram e quem era Deus naquela época?

e então:
Qual é a história que está se desenrolando aqui e por que essas pessoas pensaram que era uma história digna de ser contada?

Vamos pegar uma dessas histórias:
a de um dilúvio -
e fazer esses tipos de perguntas.


Próximo: O que é e Bíblia? Parte 2 - Inundações